quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sonhos São

Desta vez foi diferente. Parecia ser um quarto ou uma sala, um cômodo bem pequeno. As paredes eram brancas mas uma pintura velha, um pouco não-apresentável mas que era aceita. Havia um travesseiro, um cobertor de tecido liso mas que parecia pesado; esquentava. Bastava ser assim. Acho que você apareceu em outro lugar. Mas apareceu. Não me lembro como, só lembro de te ver me puxando e socrorrendo pra algum lugar. Mas no cômodo que eu estava, o colchão era junto da parte, e do chão também. Sem porta. O azulejo era branco, limpo; mas o mais barato. Coloquei a cabeça sobre o lençol e minha cabeça adormeceu e meus olhos se fecharam. Mesmo desacordada meu inferno interno ainda não parava de fazer chamas. Pensei nela. No depois dela. Aquela pobre mocinha, teria um depois? Penso que sim. Mas um depois penoso, degradado e desagradável. Casada, talvez. Ou mãe solteira. Não estou jogando palavras fora. Penso que realmente seria assim, caso ela não entrasse nos eixos. Não é bom ver alguém se destruindo aos poucos e estar metade-feliz. Mesmo desacordada, parei de pensar nisso e tive a sensação de ter adormecido de verdade. Limpa. Graças a Deus. Agora não pensava em nada.. Uma borracha passou por cima de mim. Sentia. Quase invisível, não sentia o material. Só sentia que sonhava.
Só tive sonambulismo uma vez. Aos sete ou oito ou nove anos. Lembro exatamente como foi, minha mãe me contara. Mas é engraçado e vergonhoso, convencível o bastante para contar outrora. De repente vi uma coisa preta entre a porta do armário e a outra; um Louva-a-Deus. De cor um pouco extinta. Normalmente eles são amarronzados ou verdes, lembrando mais grilo. Ok. Tinha certeza do que era, agora que, mesmo dormindo, sentia que via limpamente um bicho de pernas longas pronto pra vir ao meu lado. Acabei ficando inquieta e imóvel; apaguei de novo. O Louva-a-Deus continuava ali, olhando pra e estando no mesmo lugar. Estranho. Deviam ter se passado duas horas o três. E a merda do bicho ali. Olhando pra mim. "Será que ele me louvava?" Parecia indiferente. Olhei do lado do armário e vi uma lagarta; preta, também. Pensei nele.Gostava de sustos quando estava com ele. Eu ficava mais lúcida do que lúdica. Fechava os olhos; me desconcentrava de tudo. Consegui. Finalmente. Mas dobro as sombrancelhas e tudo fica real de novo. Tenho esse mal. Não me concentro nas coisas. Não sei me desligar muito bem. Sempre algum fio fica ali, funcionando. Minha máquina pensativa não para nem quando eu mando. Não me obedece.
Voltei.A lagarta se movia como um caracol. Soltava um certo líquido ascoso. Dessa vez demorei mais a dormir; quando adormeci, senti vertigens, meu corpo se mechia e meus olhos rodavam. Meus braços tremiam e eu me sentia no topo de um penhasco. Acordei. Os olhos se abriram numa velocidade que eu não entendi muito bem. Arregalados. Prontos pra dar o bote numa cobra qualquer. Se sentiam fortes. A lagarta estava no chão e procurava algum beco que substituisse a porta. Mas não se iluda, lagartinha. Não há como sair desse sanatório. Só há um ar-condicionado na parede baixa e sempre sequestrava e nunca devolvia alguns fios de cabelo meu. Quis pegar ela e colocar num buraquinho entre a parede do lado esquerdo e a de trás, mas peguei o sono enquanto pensava. Acordei sentindo calafrios e quando vi, avistei no cobertor escorpiões e camarões. Grandes. Vinham até mim enquanto meu medo e terror aumentavam. Como eu saio daqui? Rodei os olhos e quando os olhei ali não estavam mais. Sumiram. Deitei afobada e me apoiei. Senti o travesseiro mais duro e apertei com a cabeça. Pois bem. Saíram todos de lá, mais agéis e mais rápidos. Espertos, se camuflaram no travesseiro. Saí. Não se tinha canto em que eles não estavam. Em minha volta. Todos. Sobindo em minhas pernas e pés. Braços e cabelos. Ombros.

Alguém batia na parede. Acordei.